Ane escreve para a coluna Soy Contra!Perfil de Ane no Facebook


Soy contra desde sempre. Desde aquela madrugada de setembro de um longínquo ano do milênio que passou... ali, depois de algumas horas, depois de um parto a fórceps vim ao mundo CONTRA  minha vontade. Mi madrecita conta que nasci chorando, abrindo um enorme berreiro e assim escapei do primeiro tapa na bunda (eu preferia que ela dissesse que eu ergui o dedo médio pro médico, mandando-o dar tapa no cu da mãe... mas ela nega essa minha versão da história). Pouco mais tarde fui contra as bonecas, me divertindo com os filhos da vizinha e seus carrinhos... fui contra o leite e desde cedo reivindiquei minha cota de cafeína...
Fui contra a minha primeira professora. Pobre “sôrALice” – sim, na minha geração não existiam tias, apenas professoras  –  ela tinha um penteado extravagante e muita paciência enquanto eu gritava: cadê as letrinhas? Eu quero ler e escrever, eu não quero desenhar, eu vim pra escola ler e escrever! CADÊ AS LETRINHAS??? Abandonei o jardim da infância, me mandei pra Salvador - pra fugir do inverno -  tive meu primeiro amor, ouvi Alagados no PRÓPRIO  Alagados... tudo isso aos cinco anos de idade.  Sou foda! Ok, ok, minha mãe é foda, mas isso é outra história.
Soy contra desde sempre. Na primeira série, já de posse das minhas primeiras letras, um belo dia me disseram que era tradição na escola a guerra meninos versus meninas. Deveríamos nos preparar. No dia marcado, eis que Carlos* se junta a nós, meninas. Carlos era nosso amigo desde sempre: pulávamos corda juntos, ensaiávamos coreografia dos Menudos juntos (putaquepariu agora entreguei a idade). Carlos era tecnicamente um menino, mas alguma coisa nele fazia com que fosse uma de nós. E o que era pra ser um “meninas contra meninos” virou um “todo mundo contra Carlos”. As meninas não o queriam ali, diziam que ele seria um traidor. Os meninos o chamavam de maricas. Chamei  as meninas de idiotas, a coisa esquentou... pela primeira vez descobri que quando um se levanta e diz SOY CONTRA o bicho pode pegar. Doeu. Carlos me puxava pelo braço, alguém me puxou pelos cabelos, me chamaram de macaca... Meu olhar cruzou com o de Clara, a melhor amiga, que vinha chegando com um pirulito na mão... lembro do pirulito voando e Clara chutando alguém, lembro de Carlos chorando e Rodrigo, o guri mais capeta de toda a primeira série – e  minha paixão daquela semana – distribuindo sopapos pra nos defender. Embora a dor fosse grande a certeza de ter, aos seis anos de idade, muita sorte em escolher os meus afetos me deu uma alegria meio histérica naquele momento. Carlos, eu, Marcelo e Clara levamos um baita xixi** na direção. Nós quatro ficamos de castigo. Nós quatro tivemos nossos pais chamados na escola. Nós quatro éramos os proscritos pra todo o sempre. Dois anos depois nós nos separamos. Clara mudou de turno, Marcelo mudou de escola, eu mudei de cidade. Carlos permaneceu na escola e eu soube mais tarde que seus anos foram difíceis.
Hoje, passados quase trinta anos, penso em Clara, em Carlos, em Marcelo e sei que não reconheceria seus rostos se os encontrasse na rua. Guardo ainda a imagem das crianças desgrenhadas, em uniformes empoeirados, desfalcadas de seus dentes de leite. Aquelas crianças que ficaram em silêncio na direção diante do olhar gelado e ameaçador da vice-diretora me ensinaram que quando um se levanta e diz SOY CONTRA o bicho pode pegar... mas sempre haverá quem se junte para ser contra também.
*Nomes trocados e embaralhados. Ou não, vai saber.
** procure o gaúcho mais próximo pra lhe explicar a expressão.

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